A aprovação da Medida Provisória (MP) 422 pelos deputados federais na noite de terça-feira, poucas horas após a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, confirma que a defesa da biodiversidade vem perdendo a batalha contra o desmatamento e o desenvolvimento a qualquer custo, defendido por diversos setores do governo.
A recém aprovada MP 422 pode ser traduzida como a “legalização da grilagem”. Ela trata da dispensa de licitação para a venda de terras públicas com até 1.500 hectares – limite ampliado em mil hectares – sob a tutela do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Agora, a MP 422 aguarda a companhia do Projeto de Lei proposto pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), o PL 6.424, outro grande incentivo à devastação, que reduz de 80 para 50% a exigência de reserva legal (área de preservação de floresta) em propriedades na Amazônia. Ambas as propostas evidenciam a prioridade do governo federal: abrir terreno para o agronegócio, seja ele qual for.
O setor do agronegócio é hoje protagonista do grande processo de devastação da Amazônia que, nos últimos cinco meses de 2007, excedeu a medida de 3.000 quilômetros quadrados de floresta, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente.
Não é por acaso que os ventos apontam para o Norte e o agronegócio segue essa direção. É na região amazônica que está concentrado o maior volume de terras devolutas do país. Essa é a base de um processo de ocupação e devastação que, aliado ao uso da máquina estatal para fins privados, abre espaço para as diversas frentes do agronegócio em destaque no mercado, em especial o extrativismo de madeira, pecuária e a monocultura da soja.
Trocar a floresta por boi é projeto antigo. Sabe-se que a iniciativa de ocupar a região com gado remonta à década de 1950 e começou a dar passos mais firmes durante o governo militar, quando em 1966 foram aprovados os primeiros projetos agropecuários para região.
A Amazônia sofre hoje com uma dose cavalar de ocupações ilegais realizadas por latifundiários pecuaristas e produtores de soja, desenvolvidas por meio da grilagem de terras e pactuada com a pilhagem de madeira.
Os últimos dados sobre o avanço da produção de gado, por exemplo, são emblemáticos e assustadores. O montante de áreas usadas para a pecuária na região é de 32,6 milhões de hectares, o que corresponde à soma das áreas dos estados de São Paulo, Rio e Espírito Santo. Dos 30,6 milhões de hectares devastados entre os anos de 1990 e 2006, 25 milhões foram transformados em pasto.
O roteiro é simples: primeiro é preciso cercar a terra adquirida junto ao Incra – geralmente de maneira ilegal –, vende-se a madeira da área e então, depois de uma pequena queimada para construir pasto, toma-se a terra para a criação de gado ou, com mais investimento, para a plantação de soja. Um esquema que conta também com empresas exportadoras brasileiras e estrangeiras.
Um terço da carne produzida nessas áreas ilegais, bem como grande parte da madeira roubada e da soja, vão para fora do país. Ou seja, parte do superávit da balança comercial do país, principal “benefício” do modelo do agronegócio, é sustentado na devastação da Amazônia. O que evidencia a disposição do agronegócio no Brasil: usar a terra que pertence a todo o povo em função única e exclusivamente do lucro, sem levar em conta questões ecológicas ou de outra ordem, atentando contra condições humanas de sobrevivência.
O problema da pilhagem de madeira e ocupação pelo gado está longe de ser resolvido. Pelo contrário. Agora a investida desses latifundiários é descaradamente travestida de assentamento, a exemplo das denúncias que marcaram o fim de 2007, sobre projetos irregulares no Oeste do Pará, os quais, em vez de abrigarem agricultores, estariam sendo explorados ilegalmente por madeireiras.
O escândalo que revelou a existência de um pacto entre madeireiras e o Incra do Pará, acusado de destinar áreas da floresta para assentamentos falsos que são depois exploradas pelos latifundiários, há muito vinha sendo denunciado pelo MST. Nessa ciranda, a monocultura da soja muitas vezes trabalha em parceria com a pecuária, já que o grão se expande por áreas de pastagem degradada.
O cultivo já devasta o cerrado e avança sobre a Floresta Amazônica. Encabeçando esse processo estão o capital financeiro e as grandes transnacionais do agronegócio, como Cargill, Bunge, Monsanto, Syngenta, Stora Enzo e Aracruz, que orientam um modelo de produção agrícola baseado na expulsão dos trabalhadores rurais, indígenas do campo e na destruição do meio ambiente.
Entre 1995 e 2003 a produção de soja cresceu mais de 300% nos estados do Pará, Tocantins, Roraima e Rondônia e essa expansão tem previsão de continuidade até 2020. A área de cultivo de soja na Amazônia passou de 20 mil hectares no ano de 2000 para 200 mil em 2006. Mais impressionante e incriminador são os dados do aumento da produção em Santarém, no Pará. Um claro exemplo da relação dos investimentos dessas transnacionais com a devastação de nossa floresta.
A área colhida em Santarém saltou de 200 hectares em 2002, para 4,6 mil em 2003 e hoje corresponde a 16 mil. Curiosamente, foi no ano de 2003 que o porto construído na cidade pela Cargill, destinado para o escoamento de grãos, começou a operar. Porto que, aliás, foi instalado ilegalmente, pois à época não apresentou o Estudo de Impacto Ambiental que é precedente obrigatório para tal empreendimento, segundo a Constituição de 1988.
As transnacionais buscam agora introduzir no mercado novas sementes transgênicas, tornando ainda mais acirrado o avanço sobre a floresta. E isso já está acontecendo. Amargamos recente liberação de duas variedades de milho transgênico da Monsanto e da Bayer que agora poderão ser comercializadas. A decisão do CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança) põe em risco um longo trabalho de conservação a campo de centenas de variedades de milho adaptadas a diferentes regiões e a diferentes usos e cultivadas livremente pelos agricultores.
A conseqüência mais grave diz respeito à soberania alimentar do país. Isso porque o milho está na base da estrutura alimentar brasileira e as variedades transgênicas a serem cultivadas atendem prioritariamente à produção de ração e agrodiesel. Mesmo se direcionadas à alimentação, o alerta permanece, haja vista a desaprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) quanto ao processo de liberação, por não conter dados que comprovassem a segurança do grão para o consumo humano.
Há anos o movimento vem reivindicando que a criação de assentamentos seja concentrada em áreas com maior número de acampamentos, como no Nordeste, Sul e Sudeste. Enxergamos as florestas como patrimônio da humanidade e sabemos que os maiores prejudicados com a devastação são os camponeses. Tal posicionamento encontra referência em nossas ações, que se contrapõem ao modelo agroexportador.
Apostamos na agricultura camponesa desenvolvida em pequenas propriedades, com base na agroecologia e sabemos que são os camponeses os guardiões de nossa terra.
FONTE: Secretaria Nacional do MST
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